sexta-feira, 27 de maio de 2011

Alguma coisa de errado


Não há borrachas que apaguem gente. Existem camadas e camadas de tinta que insistimos em empurrar contra a dor própria da tela. Mas existe um fio de cabelo que fica à vista, mas existe uma pupila que nos pede mil vezes sentidas Lembra-me Lembra-me Lembra-me, Lembra-me senão Morro Dentro de Ti. Morrer dentro dos outros é uma tristeza inexplicável.
Mesmo quando a saudade se torna fraca e parece que seguimos em frente – o que é isto de seguir em frente?, em frente de quê e de quem? – ficam os pincéis para contar a história, as mãos, o sonho do que era para ser e a desilusão do que afinal foi e não foi,  em constante jogo de xadrez. Mesmo com os riscos e desculpas que pomos para nos justificarmos os riscos e decisões que tomámos, as pessoas e risos que perdemos, aquele bocado de nós que tanto amávamos e que já não somos, os fios de cabelo, as pupilas, os cheiros e tudo o mais para além do corpo - fica. Fica e muito. Mesmo quando não queremos ou não sabemos, a vida é uma réplica redonda das obras de arte do nosso passado. Das pessoas todas, das palavras mestres, dos silêncios cárceres.

Tens medo de pintar por cima. Sentes que há alguma coisa de errado nesse quarto, nessa boca, nesses olhos que são os teus dia sim, dia não. Nos tremores das mãos com falta de auto-estima para dizerem eu quero, eu sei, eu faço. Nas cabeleiras que coleccionas, de tanta gente que já passou e deixou lembrança. Sentes muito, pouco, já não sabes o que sentes. Pedes constantemente borrachas.