Tenho um pedaço cá fora, reparaste?
Tenho um bocado de rim vítima de caquexia dos queixumes da vida, à vistinha de quem vê. Vinte gramas de intestino desalinhado pendurado no bolso das calças. Uma nesga de laringe na ponta da língua, a morrer de esperança. Uma noz de cérebro desaguada na unha do pé. Uma réstia de bexiga pronta a rebentar pelos olhos. A poesia do apêndice nos cabelos.
Tenho na montra vários órgãos com falta de música e formigueiros dançantes. No pulso, tenho um relógio que me deixa sempre ficar mal, que não sabe pulsar como um pulso normal. Com uma tristeza de relógio, conformada, apática, velha. Algures entre o que fica e o que vai quando te lembras de mim, tenho-o histérico, prestes a queimar-me da maneira mais doce que imagines. Ai.
Tenho um pedaço cá fora que vive e morre, vive e morre todos os dias não sabes bem porquê. É impossível, saber quando e onde o guardar. Não lhe ligues, meu bem, cedo se arranja caixote que empacote esta sujeira toda. Numa manhã limpa e ruça sem dores de cabeça ou medos de falhar.