Isto precisa de sair. É uma coisa tão difícil de ser explicada, tão comigo nascida - ou pelo menos, adoptada.É um vento que às vezes empurra para a frente e me leva a ser gente, da crescida e admirável; outras, encosta-se na nuca e não me deixa dar passo possível. Torna-me inútil, estupidificada, sem sentido no corpo e nas coisas que ele faz. Juro, há dias que ele se esconde dentro da minha boca e corrói peça a peça de mim. Não mata, mas mói. E quando mói -ah, isso, quando ele me mói - dá-me urticária nos dedos que adoram dançar, dores de cabeça de tanta merda lá andar, puxões nos cabelos, verborreia constante, varizes e derrames de uma vida feliz que vejo lá ao longe. E ele ri-se.
Não sei como querem que goste deste vento, desta coisa que não é vento mas talvez não tenha melhor palavra que o defina. Ou talvez seja o meu talento pouco, ou nunca o tenha sido, ou isto ou aquilo. É ele na nuca. Sou eu, maltratada à vista de todos por algo que não se vê, que às vezes até se suga para dentro de mim pelos buracos todos que tenho e se desmaia, feliz, nos meus pés parados, nos meus sonhos de cobras e lagartos. Ele ri-se tanto.
É só quando o odeio. É quando quase o odeio - ah, quando o odeio é tão à séria - que ele sai, rasteirinho, limpa-me as lágrimas, penteia-me o cabelo e sussurra-me palavras de amor. Em jeito de brisa, arrefece-me a raiva, abraça-me as costas e empurra-me com carinho de mãe para a frente. O céu é o limite. E eu rio-me e ando, como gente crescida e admirável, como se não fosse nada. Como se esta coisa, que precisa tanto de sair de mim, fosse simplesmente eu.