terça-feira, 14 de dezembro de 2010

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A diferença está na possibilidade que eu considerava de ter coisas a dizer para serem ouvidas. Numa sabedoria-collage do que lia ou ouvia no ateliê auto-marginalizado do meu cérebro que, entretanto, se perdeu na ambição mundana de não se saber o que se ambiciona, mas ambicionar ambicionar. Ser alguém sem ser alguém. Não saber o que isso é.

Uma pessoa não é um nome, como quem sabe o que diz diz tão bem. Uma pessoa não é nada de especial em concreto nem em não-concreto. Fora a magia que é ser mais um animal. Respirar por dois sítios, Um pé à frente e um pé atrás, As mãos sabe deus onde. E nunca o mesmo, eu.


A diferença estava na possibilidade de me afirmar nalgum lugar, fictício ou real. E ainda havia a ignorância, que não me deixava ver que eu não sabia o que dizia, fora das vezes em que o sabia tão bem. Que eu não era eu, nem para mim. Que a segurança é aparência, não existe, é uma máquina de fazer pesadelos na vida. A diferença não é nenhuma. É o mundo que grita e transforma. Não sei se o ame ou o mate.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dor

Dói-lhe. A carne amante do ferro em brasa. Os dentes embalados no berço moído. A aliança acariciada na valeta para onde se caga. O cabelo no prato, como jantar da semana. As unhas que são terra e já não têm nada de unhas- a terra nas feridas, que lhe antecipa o consolo da terra final. A memória que lhe atormenta o que não aguenta e não compreende. O anjo com a serra, que lhe vai mutilando pedaço a pedaço do corpo que já não lhe serve de nada, já não o quer, fá-lo desaparecer, Por favor! A dor. Dói-lhe ainda lhe doer passado tanto tempo, um mês, um dia, um ano de morte sem morte. A órbita que ainda vê, porque o mantém útil. Os ossos e o nariz, esse sangue que corre e corre e nunca mais chega ao fim. A idade que não deixa servir de comida aos outros como ele. Os outros, que vontade de espancar o mais fraco. A vontade, ainda assim, de viver.

Dói-me também a mim, quando sei. A capa que tenho, o céu em que sonho, os dias, os restos, a falta de choro... Porque isto vai existir sempre. Isso dói. Existir e esperar que alguém nos salve e diga que não existe dói. Enche-me da água que lhe foi proibida no corpo e da alma.

Uma canção de amor cheia de terra, para lamber as feridas.. Um momento de paz. A recordação divina.







'Amanhâ eu vou chorar. Hoje não... Amanhã.'
Frase escrita num dormitório de Auschwitz.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

onde moram as ideias

Dou por mim às voltas e revoltas, à procura de uma ideia original. Não encontro a porta, não sei o código de entrada, perdi há muito o dom de escrever segu(i)ndo o órgão-Mestre. Não te sei escrever, quando és real. Precisava da dor, da dor de não saber, não saber onde ver, onde procurar. Precisava que não existisses, se fosse urgente. Agora ter-te comigo acabou com a minha carreira de drama queen, tirou-me de palco e, pior que tudo, roubou-me o texto. Não tenho ideias. Não sei que porta.


Quanto mais se procura, mais calos se tem; o que se encontra ainda não sei. Eu procuro ideias e elas escondem-se-me, como ultimato de seres quem sonho. Mas enquanto desespero pela falta de pedras a indicar-me o caminho, tu encontras sempre maneira de me compensares, ensinando-me a apreciar a paisagem. Então, eu sonho, vivo. Amo. As ideias não são tudo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

uma letra que se Lê

Escrever para mortos é, muitas vezes, um exercício anestésico e terapêutico. Dá força ao que nos fraqueja e relembra a natureza do que calcamos. Dá luz à temática dos outros e não à nossa, o que sempre distrai e alivia. E até oferece respostas sonhadas e futuros inóspitos, porque também os que foram odiaram e mentiram e seriam mortos mais cedo ou mais tarde, dentro de nós. Pelo que dizem, a questão nunca é nossa, é do tempo. As respostas, também.

Quem acredita em vidas passadas, tem que as ver muito mal passadas, para nos assombrarem pelas viagens fora. Eu vejo-as. Mas chego à conclusão que assim sangrentas e elásticas é que sabem melhor, que o pior vem depois. Do depois. Depois de morrer levo-te comigo e depois de te enterrar, já me esqueci de quem sou.




Escrever para quem já cá não está ilude quem não é livre e liberta os papões para outros sonhos. Dá-nos a compensação de não nos lembrarmos que nos esquecemos do caminho, de quais os sapatos, gavetas ou calos. Cometi o estúpido erro de dar mais valor aos meus vivos e pago por isso, convivo com a ansiedade de me saber corpo aparte destas unhas ou cabelos, desta casa.  Pior: não me reconheço como a que era, porquê?. Noto, apago o que fui ou que senti por quem, quando?. Perco a força, como?. Faço velórios e enterros a toda a hora e nem por isso me recordo para onde ir. O Quê?

Não faz sentido.

sábado, 23 de outubro de 2010

e Acontece

    
Sobre mim:
Não sei os caminhos, odeio mapas. Não gosto que me apontem o dedo e a consciência ou que me forçem os pézinhos a andar, seja para onde for. Tenho sarcasmo, mas não me serve de muito. Colecciono por vezes coisas inúteis, como pó nos rancores e fotografias de dentro para dentro. Chateio-me facilmente, julgo rápido. Mudo de opinião frequentemente; aprendo muito. Consigo ser triste tentando ser palhaça e agressiva com um metro e meio de altura. Tenho mil defeitos e nem por isso sou má pessoa.

Nunca tive tanto esta necessidade - necessidade embora também desejo -, de fustigar o ar com a minha verdade, com os meus defeitos e os defeitos dos outros, todos a fim do perdão mais completo que o meu eu deixar. De arrancar dentes a quem não fale de jeito, a quem diz que faz e não acontece nada, de arrancar peles que não têm nada para lá das peles. Nada de bom, que limpe o estado de alma permanente em que este mundo humanóide se sentou. 

Canso-me frequentemente dos amigos de café, de café, de chá, não bebo. Irrita-me não me deixarem pôr açucar em tudo, apregoarem o mal de viver bem e não darem exemplo -dizerem que fazem e nada feito, tudo comprado. Sou de quando em vez nervosa com os nervos e calada para o mundo, como só ele ensina a ser. Perco a vontade, vou-me abaixo da mesa e das canelas. Como quando estou doente, que gosto de mimos e cama, fico na cave enquanto rezo 'não há mais abaixo, não se cai'. Existe, acima de tudo. o dia em que venho ao de cima, que tenho massa no corpo e consigo bóiar, mesmo viva. Digo que faço e faço mesmo, qual mulher honrada que sou. E, digo mesmo, chego mesmo a Acontecer.