terça-feira, 20 de novembro de 2012

A-varia


Perdoa-me Deus, porque pequei. Julguei-me pequena quando tenho tantos mundos cá dentro, tanta gente sentada nos cantinhos mais inesperados, tanto pó que não está à vista em compartimentos que aparecem como que por magia. Plim. Perdoa-me Deus, porque já começo a perceber que isto do hoje ser isto e amanhã ser aquilo segue a regra do tudo faz sentido na vida. Que, ao que parece até foste tu que me deste pele, osso e carne mais uma vez e me disseste Filha, serve-te (a carne, a carne por vezes é tudo e outras vezes transforma-se em merda, quando tudo o que resto dorme ou desperta demasiado rápido). É nisto que penso, quando não penso noutras coisas.
Ai, Deus, que te amo e te aceno sempre que ganho uns rasgos de lucidez, isso já tu sabes. Mas preciso mais do que esta falta de ver, esta falta de entender o que já estive tão próxima- eu sei - de acreditar na matéria. Isto já me foi tão fácil e de repente um desfoque na lente do espírito, de repente todo um tornado de acontecimentos e coisas - leia-se, coisas - que chego a pensar que estou louca porque tão afastada de um cantinho cá dentro do corpo também para mim. As veias a saltarem de gritos contidos e sonhos feridos numa pele que se deixa cada vez mais andar de transportes - conduzam-me, digam-me - toco agora ? - obrigada - e agora - como andar? - os pés cada vez mais pesados e eu a começar a engraçar com o meu joanete de estimação. Podias-me dar hoje à noite um pouco de paz - luz - a - Por favor, varia e dá novo alento à minha espiral pessoal.


 


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Do que falo

Não falo de pétalas de rosas vermelhas a cair que nem tordos e lágrimas no chão, ao som de um dueto entre piano e violino, num calor de sofá quando enxurrada lá fora. Nem de noites de pernas suadas, ansiosas por um lugar mais dentro do corpo, mais forte que um sopro, mais perto de tudo o que o outro tem para dar. Nem falo sequer do final de tudo, quando o tudo és tu e eu já sem ti, nada. Não sei do que falo, mas quero que me ouças. 
Não falo de ti mil vezes parado no mesmo semáforo, à espera que a máquina da vida te dê permissão para prosseguir. Não falo de mim mil vezes parada, nesse mesmo semáforo hipotético sem conseguir andar, como sem pernas. Mas eu, com pernas e até com muletas.Não falo do medo que tenho que, mais cedo ou mais tarde, nós não passemos disto - o sinal de segurança de tudo estar bem, andemos ou fiquemos onde estamos, porque nós termos pernas - e somos o que não sonhámos ser, um para o outro. Não falo da ânsia com o mundo inteiro nos olhos para mostrar ao filho que acaba de nascer, transmitir-lhe a ligação desta vida, onde se ligam os caminhos. De coisas que nada têm a ver com nada porque te excluem, tu sabes. Nem mesmo disto eu falo.
Do que falo é do amor esquecido que tenho por ti. Não é um amor especial ou maior do que os outros (pedido de Natal:copo de medição de bolso, sim?), mas é amor- eu sei, sabes, nós...É como se só hoje me tivesse apercebido da imensidão de sentimento que tenho por ti para falar ao mundo. Mesmo que não consiga, que continue a sair tudo ao lado, tudo errado, tudo farinha do mesmo saco. Pelo menos, falo que te amo enquanto estou parada no semáforo, à espera que me convides para uma valsa. (ouves-me?)

sábado, 15 de setembro de 2012

Já faltou mais

O que hoje sei é que lá por ter lágrimas que não acabam para deitar, fazer o-ó, acordar aos berros, não faz de mim doente ou triste. Lá porque rosno ao vidro da minha janela não quer dizer que tenha medo, cagaço, respeito sim. Já faltou mais para entender a paz que me espera.

SOU EU QUE ME FAÇO ISTO. 

E lá porque o grito o mais alto que consigo cá para dentro, não quer dizer que amanhã esteja em altura de o entender. Que acorde assim, com este espírito. Que o espírito acorde. 

Ai, era tão boa naquilo que fazia (ter orgulho em mim, nós, de quando em quando faz-me morrer feliz). Apagar isto. E agora quero dizer coisas novas e as coisas não me dizem nada, é como se tivessem todas partido para alguém mais sábio e disponível para sentir. Quero dizer coisas como as que tenho cá para dentro e saem em forma de lágrimas. Para que se entenda que eu, nem doente ou sequer triste permanente

 
É QUE EU. Bonita. Saudável. Amiga, alegre e disponível. Sincera. Genuína. Só que cá dentro toda aprumada e atarefada, a arrumar a casa e a preparar a mesa à espera que chegue uma pequena epifania querida e saudosa. E sim, o que hoje sei é que já faltou bem mais.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A minha bomba-relógio

Isto está a ficar cada vez mais estranho. Porque o que sinto que me faz mal é o que me faz bem e sinto que sem isso morro. Tic tac. E eu tenho de me levantar todos os dias de madrugada, arrastar-me depressa de casa para não pensar muito, encontrar coisas ou músicas bonitas no caminho de mais um dia que me espicaça.  Tic tac. 
Pensar no que me dizem para pensar, pensar no que me pagam para pensar, nunca pensar o que grito quando tenho cinco segundos na casa-de-banho e choro. Tic tac. Limpa, puxa o autoclismo, sai.
Voltar para casa sem saber o que sentir. Me uma merda. Sem qualidades ou dons que façam com que gostem de mim. Sem me conhecer ou sem me querer conhecer. Para arranjar desculpas, uma, duas. 
Tic-tac. E continuo a sorrir, sempre a calar, a comer, sem conseguir digerir, a entalar todas as porcarias no estômago. Ainda me admiro que as entranhas se estrangulem. Calma, olha que te vêem, ri-te. Ah. (tic-tac).

 


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Amargo na boca

Há quem diga que faz bem cair, que é no chão que moram as melhores lições. Concordo.  Mas há quem pregue rasteiras aos demais para - seguindo a lógica - ajudar os outros a crescer e a aprender. Há gente como tu que é todo manias, dono da razão deste mundo e dos restantes, rei e senhor da palavra, do espectáculo, do circo, do riso. Não tens piada.

É que a primeira a cair aprende muito quando se habitua ao tecido nivelado onde desfilas e refilas com meio mundo que dizes não chegar aos teus calcanhares (a primeira a cair não prega rasteiras, sabe para que os pés servem). Só tenho pena que não percebas que o tecto e o fundo da sala e do corpo são confusos e a maior sabedoria está abaixo dos teus pés. No lado de lá do chão de vidro. Cuidado. Auch.

És cru e sem jeito, principalmente pelo formatado que estás pelas leis do mundo. És nu de um sentimento mais profundo. Eu, que estou aqui no andar de baixo, sei que sei muitas mais coisas de dentro - que tenho dentro, porque é lá que elas devem estar - do que quem me ensinou a escondê-las. E depois só a pessoa é que muda, a sombra é sempre a mesma. Sem surpresas. 
Hoje é noite, hoje é um copo de vinho intragável na minha mão e eu com o dedo espetado a imitar-te o snobismo e o amargo na boca intrínseco, a precisar sair por qualquer buraco. Sou maníaca por perder tempo com quem tem a mania das alturas e das altezas. Isso aflige. Arrebenta a bolha. Auch.

Quero que te fodas. É isto. Sou humana. 
Ah- ah.




terça-feira, 3 de julho de 2012

Cartão de memória

Não adianta dizerem-me que o cartão de memória precisa de ser esvaziado porque o que está lá dentro é vazio e sem sentido. Eu sei que existimos. Mesmo que digam que uma qualquer habilidade para distorcer o mundo e adoptar o que não existe como a realidade mais doce, um dia nós existimos e não me venham negar o meu pedaço de sanidade matinal. Eu fui feliz, pelo menos, porque fomos nós, nós dissemos e acontecemos, nós existimos. Não me tirem isso, por favor.


Num palco sem lágrimas, habitualmente o que faço é puxar pelas deixas mais felizes. Recordar-te cabelo a cabelo, unha por unha, dente por dente. Será que nós sempre a arranjarmos maneira de não sermos completos. O meu mal não é esquecer, é lembrar muito e tudo e ter de conviver com o que vem depois. Talvez eu entenda o meu quarto- escuro de hoje, os números apagados, a falta que não faço a ninguém. A culpa é toda e só minha - como tudo e a minha vida.

Trapo


Não há nada a fazer. Sou velha. Os meus amores morreram imperfeitos, num jardim que fui obrigada a abandonar. As minhas mãos tremem como criminosos em pânico, a minha boca seca sem palavras ou alguém a fingir que ouça. Não é fácil, é mesmo triste. E todos os dias tenho de ignorar o lamento A velha só chora, só chora, parece que alguém a maltrata ou algo que lhe valha. Dão-me rebuçados para dormir, desejam-me Bons sonhos D.a ocupante de lençóis cagados e deixo de existir, no fechar de uma porta branca, no canto de um corredor com cheiro a neftalina. Eles mentem-me, muitas vezes. Dizem-me que tudo está morto, lá fora - como, se eu cá dentro. Se conseguisse falar como dantes, ser como a outra, rir até como me lembro ainda de me dizerem que fazia. Não sei o que aconteceu aos meus amores, a mim própria, quem sou eu, que tempo e espaço. Quanto mais tempo e espaço. Não é fácil.